Desde janeiro de 2022 que está em vigor o novo Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, diploma que veio combater as dificuldades sentidas no período da pandemia. De acordo com o preâmbulo do diploma, importa criar as condições para o desenvolvimento de um setor cultural dinâmico e equilibrado, que garanta boas condições de trabalho aos seus profissionais, de forma a potenciar a respetiva criatividade e criação artística.
Os contabilistas certificados enfrentam novo desafio na atualização destas matérias. Além de alterações ao nível das taxas contributivas (no caso dos trabalhadores independentes), surge a obrigatoriedade do pagamento mensal de uma taxa contributiva por parte de todas as entidades beneficiárias da prestação de serviços, aparecendo também a figura da retenção na fonte no âmbito da Segurança Social. A exemplo dos trabalhadores por conta de outrem, as entidades beneficiárias da prestação com contabilidade organizada passam a reter e a entregar as contribuições da responsabilidade do trabalhador, juntamente com as contribuições da sua responsabilidade. Já foram inclusivamente disponibilizados novos formatos da fatura- recibo e demais documentos de faturação disponíveis no Portal das Finanças.
Com este artigo pretendemos dar nota destas novidades, trazer o tema à discussão, destacando alguns aspetos de ordem prática que se irão sentir já nos meses de outubro (pela emissão de faturas) e novembro (com o pagamento das contribuições). Limitamos os nossos apontamentos à esfera dos empresários em nome individual e trabalhadores independentes.
As atividades abrangidas
Começamos por destacar quais as atividades abrangidas por estas alterações (seja atividade principal ou secundária), e que foram enumeradas por Portaria.
As profissões abrangidas são as seguintes: afinador musical, ator, aderecista, aderecista de cena, agente artístico, anotador, apresentador, argumentista, artista circense, artista digital, artista visual ou plástico, artista e auxiliar tauromáquico, assistente de realização, bailarino, bonecreiro, cabo varanda, caracterizador, caracterizador de efeitos especiais, carpinteiro de cena, cenógrafo, chefe de guarda-roupa, chefe de montagem de artes visuais ou plásticas, colorista, compositor, condutor de precisão, contrarregra, coreógrafo, costureiro de guarda-roupa ou figurinos, curador, desenhador, desenhador de iluminação, desenhador pirotécnico, designer cultural, designer de joalharia e ourivesaria, designer de moda, designer de produção audiovisual, diretor artístico, diretor de casting, diretor de cena ou palco, diretor de fotografia, diretor de produção, diretor de som, disc-jockey, documentalista, dramaturgo, duplo, editor literário, encenador, escritor ou poeta, figurante, figurinista, gestor cultural, gestor de carreira artística, gestor de digressão, grupista, iluminador, localizador, locutor, maquinista de cena, mediador cultural e artístico, metalúrgico de cena, músico, musicólogo, operador de câmara, operador de perche, operador técnico de televisão, pintor cenográfico, produtor audiovisual, professor ou educador artístico, realizador,
responsável de figuração, responsável operacional, sonoplasta, supervisor de pós-produção, técnico de manutenção audiovisual, técnico de suspensão de equipamentos, tradutor de audiovisual e videasta. Estes profissionais podem proceder à inscrição no Registo dos Profissionais da Área da Cultura (RPAC). Apesar de o registo ser facultativo, apenas os profissionais inscritos podem beneficiar da aplicação do novo regime especial de proteção social. Os empresários em nome individual e os trabalhadores independentes que exerçam atividades com os códigos elencados e entendemos que se encontrem inscritos no RPAC devem utilizar os novos modelos de fatura-recibo e demais documentos de faturação disponibilizados. Nestes consta um novo campo para efeitos de retenção da contribuição da área da cultura.
Taxas contributivas
Os trabalhadores independentes da área da cultura são enquadrados, para efeitos de taxa contributiva, como empresários em nome individual. A taxa contributiva destes prestadores de serviços da área da cultura é fixada em 25,2%, sendo que a taxa contributiva da responsabilidade da entidade beneficiária da prestação é de 5,1%, independentemente do grau de dependência económica e do facto de o prestador dos serviços estar, ou não, inscrito do RPAC. Ou seja, uma taxa total de 30,3%. São entidades beneficiárias da prestação de serviços as pessoas coletivas e as pessoas singulares com ou sem atividade empresarial que beneficiam da prestação de serviço por profissionais da área da cultura, independentemente da sua atividade.
Base de incidência
São devidas mensalmente contribuições pelo trabalhador independente e pela entidade beneficiária da prestação com base nos recibos ou faturas-recibos eletrónicos emitidos em cada mês pelo exercício de atividade na área da cultura. As contribuições devidas são calculadas pela aplicação da respetiva taxa contributiva sobre o valor de 70 ou 20 J, consoante se trate de prestação de serviço ou produção e venda de bens, de cada recibo ou fatura-recibo eletrónica emitida.
Pagamento de contribuições com retenção
Quando a entidade adquirente da prestação dos serviços aos profissionais da cultura, ou seja, a entidade beneficiária é uma pessoa coletiva ou, sendo uma pessoa singular, exerce uma atividade empresarial ou profissional com contabilidade organizada, então, há lugar a retenção na fonte das contribuições da Segurança Social que seriam devidas pelo prestador dos serviços. Ou seja, aquando do pagamento da fatura, retém os 25,2% sobre a base contributiva. As contribuições retidas são pagas à Segurança Social pela entidade beneficiária da prestação, juntamente com a contribuição da sua responsabilidade (5,1%), entre os dias 10 e 20 do mês seguinte, identificando o prestador de serviços, o mês a que se refere o pagamento e o valor da retribuição paga.
Pagamento das contribuições sem retenção
Quando as entidades beneficiárias da prestação de serviços não dispõem nem são obrigadas a dispor de contabilidade organizada, ou são entidades não residentes sem estabelecimento estável em território nacional, estas devem pagar o valor dos serviços adquiridos acrescido das contribuições por si devidas (5,1% sobre a base de incidência). O trabalhador independente da área da cultura deve entregar à segurança social a contribuição referida, juntamente com as contribuições da sua responsabilidade (25,2%).
Outras obrigações
Muito sucintamente, não podemos deixar de elencar outras obrigações que resultam desta matéria:
– A entidade beneficiária da prestação que disponha ou deva dispor de contabilidade organizada fica obrigada a proceder à comunicação à IGAC da celebração do contrato de prestação de serviço;
– Cessando o contrato de prestação de serviço, a entidade beneficiária da prestação deve entregar ao prestador de serviços um certificado de atividade, indicando o nome do profissional, o número do cartão do profissional da área da cultura, se aplicável, e as datas de admissão e de cessação do
contrato. Caso o prestador de serviço o requeira, o certificado de atividade deve descrever a atividade por si desempenhada para a entidade beneficiária;
– A entidade beneficiária da prestação deve informar o prestador de serviço sobre os aspetos relevantes do contrato de prestação de serviço, designadamente: identificação, local de prestação da atividade, tarefas a serem desempenhadas, data de início e termo do contrato, duração do contrato, valor e da periodicidade da retribuição, entre outros. Em caso de alteração das condições previstas no número anterior, o prestador de serviço pode resolver o contrato, com direito a indemnização, nos termos gerais.
Exemplo
Para melhor se visualizarem os efeitos destes novos procedimentos, nomeadamente numa perspetiva financeira na ótica do prestador dos serviços, consideramos o seguinte exemplo: A sociedade Beta, Lda. contrata um artista circense para complemento de um evento promocional que realiza na sua empresa. Os honorários acordados ascendem a 1200 euros.
Aquando do pagamento, a sociedade irá reter a título de contribuições da Segurança Social a quantia de 211,68 euros (1200,00 x 70% x 25,2%). O prestador dos serviços irá auferir o valor de 988,32 euros (1200,00 – 211,68). No mês seguinte a sociedade vai pagar à Segurança Social o montante de 254,52 euros [211,68 + (1200,00 x 70% x 5,1%)]. Considerando um outro exemplo, este mesmo artista circense é contratado por um particular para atuar na festa de aniversário do seu filho, sendo acordado o mesmo valor de honorários. Aquando da emissão da fatura, este artista irá acrescer ao valor acordado a quantia de 42,84 euros (1200,00 x 70% x 5,1%). Assim, o particular irá pagar ao artista o valor de 1242,84 euros. No mês seguinte, o artista irá entregar à Segurança Social esta quantia, assim como as contribuições por si devidas. Lembramos que as contribuições devidas pelo trabalhador independente abrangido pelo regime de contabilidade organizada em sede de IRS são calculadas pela aplicação da taxa referida sobre o duodécimo do lucro tributável. Em jeito de conclusão: avizinham-se meses confusos ao nível da adaptação destes novos procedimentos. A inscrição no RPAC é facultativa e irá determinar o enquadramento neste regime especial. Acresce que estes profissionais podem exercer outras atividades além das previstas.